1 —De onde vem o construtivismo?
Quem adotou e tornou conhecida a expressão foi uma
aluna e colaboradora de Piaget. a psicóloga Emilia Ferreiro. nascida na
Argentina em 1936 e que atualmente mora no México. Partindo da teoria do
mestre, ela pesquisou a fundo, e especificamente. o processo intelectual pelo
qual as crianças aprendem a ler e a escrever, batizando de construtivismo sua
própria teoria.
2 — Então é ela a autora da pedagogia
construtivista?
Não. A exemplo de Piaget, Emilia se limitou a
desenvolver uma teoria científica. Outros especialistas é que vêm utilizando
suas descobertas, assim como as de Piaget. para formular novas propostas
pedagógicas. No começo, o nome construtivismo se aplicava só à teoria de
Emilia. Com o tempo, passaram a ser chamadas de construtivistas as novas
propostas pedagógicas inspiradas em sua teoria, a própria teoria de Piaget e
ate mesmo pedagogias anteriores, porem compatíveis, como a do educador
soviético Lev Vvgotsky (1896-1934).
3 — O que a teoria de Emilia Ferreiro sustenta?
A pesquisadora aplicou a teoria mais geral de
Piaget na investigação dos processos de aprendizado da leitura e da escrita
entre crianças na faixa de 4 a 6 anos. Constatou que a criança aprende segundo
sua própria lógica e segue essa lógica até mesmo quando ela se choca com a
lógica do método de alfabetização. Em resumo, as crianças não aprendem do jeito
que são ensinadas. A teoria de Emilia abriu aos educadores a base científica
para a formulação de novas propostas pedagógicas de alfabetização sob medida
para a lógica infantil.
4 — O construtivismo se aplica somente à
alfabetização infantil?
Não. Ainda se encontra muito vinculado à
alfabetização, porque foi por essa área que começou a ser desenvolvido, a
partir da base teórica proporcionada por Emilia Ferreiro. Contudo, práticas
construtivistas, devidamente adaptadas, já estão bastante difundidas até a
quarta série do primeiro grau. A partir da quinta série, porém, quando cada
disciplina passa a ser ministrada por um professor especializado, tais práticas
são menos utilizadas, até pela relativa escassez ainda registrada de pesquisas
teóricas equivalentes às de Emilia.
5 — Por que o construtivismo faz restrições à
"prontidão" na alfabetização infantil?
Com base nas teorias de Piaget e Emilia Ferreiro,
os construtivistas consideram inútil a prontidão, ou seja, o treinamento motor
que habitualmente se aplica às crianças como preparação do aprendizado da
escrita. Para eles, aprender a ler e escrever é algo mais amplo e complexo do
que adquirir destreza com o lápis.
6 — O construtivismo passou por mudanças desde que
começou a ser adotado no Brasil?
Sim. A fase inicial, em que o aluno era
deixado muito solto, como se a professora não estivesse na sala de aula
(prática espontaneísta). está superada. Hoje se quer do professor uma atuação
firme e planejada (prática intervencionista). No geral, contudo, o núcleo
pedagógico do construtivismo permanece inalterado.
7 — A interdisciplinaridade tem alguma relação com
o construtivismo?
Sim, embora a interdisciplinaridade seja uma
prática pedagógica autônoma e anterior ao construtivismo. Como nenhum
professor, por mais ampla que seja a sua formação, pode dominar todos os
conhecimentos envolvidos na tarefa de lecionar, o trabalho interdisciplinar é
recomendado para todo e qualquer nível.
8— É feio não ser construtivista?
Não, absolutamente. Feio é não ser autêntica e não
se preocupar em dar o melhor aos alunos, seja de si mesma. seja das múltiplas
áreas do conhecimento. Feio, enfim, é ser má professora.
9 — O construtivismo pune alunos indisciplinados?
Sim, porém o caráter dessa punição, dentro do
possível, deve ser, digamos, "construtivo" - deve buscar a
reciprocidade e a reparação. Por exemplo, se uma criança rasga um livro, deve
consertá-lo. De todo modo. em casos mais graves, admite-se até a tradicional
suspensão.
10 — Como
o construtivismo se espalhou?
As bases teóricas foram estruturadas na primeira
metade deste século, com Piaget e os psicólogos soviéticos, entre os quais Lev
Vygotsky é o mais divulgado no Brasil. As pontes para a prática pedagógica se
consolidaram com Emilia Ferreiro e seus colaboradores, a partir do final da
década de 1970. Na década seguinte, o construtivismo se disseminou na América
Latina, principalmente na Argentina e no Brasil. As experiências brasileiras
mais expressivas foram registradas nas redes municipais de Porto Alegre e de
São Paulo, assim como no ciclo básico (as duas primeiras séries) da rede
estadual paulista.
11 — O aluno formado pelo construtivismo fica bom
de raciocínio, com mais senso crítico, porém mais fraco de conhecimentos?
Não é bem assim. Os construtivistas insistem em
que, embora o construtivismo enfatize o processo de aprendizagem, este não
ocorre desligado do conteúdo: simplesmente não há como formar um indivíduo
crítico no vazio. Portanto, a aquisição de informações é fundamental.
12— Como o construtivismo transmite o conhecimento
não passível de ser "construído" pelo aluno, como nomes de cidades ou
de presidentes?
O construtivismo estimula a descoberta do
conhecimento pelo aluno. Evita afogá-lo com informações prontas e acabadas, mas
quando necessário não hesita em valer-se da memorização. Neste caso, a
professora deve escolher o momento oportuno e criar situações interessantes
para transmitir esses conhecimentos, fugindo assim da rigidez da prática
tradicional.
13 — O
construtivismo requer mais atenção individual ao aluno do que outras linhas de
ensino?
Sim, mas não com a obsessão que às vezes se
imagina. Se o construtivismo admite que cada aluno tem o seu processo
particular de aprendizagem, a professora deve conhecê-lo, acompanhá-lo e fazer
as intervenções adequadas. Mas isso não quer dizer centralização total, ao
contrário. O construtivismo valoriza muito o intercâmbio entre os alunos e o
trabalho de grupo, em que a professora tem uma presença motivadora e menos
impositiva.
14 — Como
a professora pode dar atenção individualizada em classes de 30 ou 40 alunos?
O ideal é que as classes não sejam tão numerosas.
Mas, de qualquer modo, vale a alternativa de trabalhar com duplas ou trios,
agrupando as crianças por habilidades parecidas ou opostas, a critério da
professora. No construtivismo, a professora aproveita a individualidade de cada
aluno para o enriquecimento do grupo.
15 — Por
que o construtivismo contesta o ensino dirigido?
Não é bem isso. O construtivismo considera a
sistematização do ensino necessária, mas aplicada com bom senso e
flexibilidade. Contesta, sim, que o currículo seja uma imposição unilateral,
uma camisa-de-força, com etapas rígidas, sucessivas e inalteráveis. Não se
aprende por pedacinhos, mas por mergulhos em conjuntos de problemas que
envolvem vários conceitos ao mesmo tempo, afirmam os construtivistas.
16 — Por que a alfabetização construtivista rejeita
o uso da cartilha?
Primeiro, porque a cartilha prevê etapas rígidas de
aprendizagem, coisa que o construtivismo descarta. Segundo, porque os
construtivistas acham que a linguagem geralmente usada nas cartilhas
("Bá-bé-bi". "Ivo viu a uva" etc.) é padronizada,
artificial, distante do mundo conhecido pela criança.
17— Por que o construtivismo faz restrições aos
livros didáticos?
Pelo fato de a maioria deles apresentar o
conhecimento em sequência rígida, prevendo uma aprendizagem de conceitos
baseada na memorização.
18— E a restrição ao ensino de regras gramaticais?
O construtivismo contesta que o ensino da gramática
seja o meio para se levar o aluno a entender e dominar o processo de escrever
corretamente. Isso se adquire praticando a escrita, mesmo com erros
gramaticais. A medida que o aluno vai dominando a escrita é que se passa a
ensinar-lhe a gramática. As regras identificam certas regularidades da língua,
mas para entendê-las é preciso tê-las percebido na prática.
19 — O
construtivismo desestimula a competição entre os alunos?
Sim, pois uma de suas linhas mestras repousa
justamente na cooperação entre eles. No entanto, mesmo pondo de lado a
competição, o construtivismo investe no desafio pessoal, como motivação para a
criança ir sempre avante nas trilhas do conhecimento
.
20 — O professor construtivista deixa os alunos
fazerem o que bem entendem em classe?
Não. A sala de aula é um espaço com regras de
funcionamento e de convivência. O superliberalismo pedagógico destoa das
concepções do construtivismo.
21 — Qual é o papel da professora no construtivismo
e em que difere do ensino tradicional?
Em vez de dar a matéria, numa aula meramente
expositiva, a professora organiza o trabalho didático-pedagógico de modo que o
aluno seja o co-piloto de sua própria aprendizagem. A professora fica na
posição de mediadora ou facilitadora desse processo.
22 — O que é necessário para ser uma boa professora
construtivista?
Mentalidade aberta, atitude investigativa.
desprendimento intelectual, senso crítico, sensibilidade às mudanças do mundo
combinada com iniciativa para torná-las significativas aos olhos dos alunos e
flexibilidade para aceitar a si mesma em processo de mudança contínua. Ela
precisa dar mais de si e precisa estar o tempo todo se renovando, para
sustentar uma relação com os alunos que não se baseia na autoridade. mas na
qualidade.
23 — É possível ser construtivista em
uma escola tradicional?
Em geral, o projeto pedagógico de uma escola
tradicional não favorece nem leva em conta o trabalho de uma professora que
resolva tocar em outro tom. Embora seja difícil manter uma proposta individual
num ambiente alheio a mudanças, há muitos casos assim. Além disso, deve-se
considerar o fato de que é difícil uma escola passar a ser construtivista num
só golpe. Isso ocorre de maneira paulatina, até porque o construtivismo, do
mesmo modo que respeita os processos de transformação por que passam os alunos,
também deve respeitar o das próprias professoras.
24—O construtivismo reprova?
Sim, quando o aluno se encontra em tal atraso em
relação ao resto da turma, que fazê-lo passar de ano seria lançá-lo numa
situação muito desagradável. De qualquer modo, tenta-se evitar que a criança
viva a reprovação como um atestado de sua incapacidade ou como
castigo por não ter aprendido.
25 — Existem manuais que ensinem a ser
construtivista?
Manuais, com tudo mastigado, não. Mas não falta
material de apoio para que a professora comece a olhar seu trabalho de outro
modo (leia bibliografia ao final deste texto). O fundamental,
de qualquer maneira. é a prática. Calcula-se que são necessários ao menos dois
anos de prática em classe, reforçados por reuniões semanais com outros colegas,
para tornar-se uma boa professora construtivista.
26— Existem cursos que ensinem a ser
construtivista?
Algumas instituições promovem cursos de extensão ou
especialização, seminários, palestras e reuniões de estudo com essa finalidade. Mas
atenção: nesses cursos não se ensina a ser construtivista. Neles se discute a
prática da professora, de modo que ela ganhe elementos para encontrar seu
próprio caminho, mais ou menos como depois irá fazer em relação ao aluno.
27 — Quais as vantagens do construtivismo sobre
outras linhas de ensino?
Procura formar pessoas de espírito inquisitivo,
participativo e cooperativo, com mais desembaraço na elaboração do próprio
conhecimento. Além disso, o Construtivismo cria condições para um contato mais
intenso e prazeroso com o universo da leitura e da escrita.
28—O que significa o erro do aluno?
É tomado como um valioso indicador dos caminhos
percorridos por ele para chegar até ali. A professora não está tão preocupada
com o acerto da resposta apresentada pelo aluno, mas sobretudo com o caminho
usado para chegar a ela. Em vez de ser um mero tropeço, o erro passa a ter um
caráter construtivo, isto é, serve como propulsor para se buscar a conclusão
correta.
29 — O
construtivismo não corrige o erro do aluno?
Corrige, mas sempre tomando o cuidado de que a
correção se transforme numa situação de aprendizagem, e não de censura. Por exemplo,
no início do ano a professora pede aos alunos que escrevam um texto e guardem o
material corrigido. No fim do ano, pede uma nova redação sobre o mesmo tema.
Então, junto com os alunos. compara os dois trabalhos, ressaltando os
progressos ocorridos. No ensino tradicional, o erro deixa menos vestígios no
caderno do aluno, pois é corrigido, apagado, à medida que aparece.
30 — O construtivismo forma o estudante com mais ou
menos rapidez que outras linhas de ensino?
O construtivismo não dá exagerada importância a
prazos rígidos. Na alfabetização construtivista, estima-se que um aluno do meio
rural, que nunca viu nada escrito, precisa de dois a três anos para chegar a
ler e escrever com eficiência. Já no meio urbano, um aluno de 7 anos, que
convive intensamente com a escrita, leva algo em tomo de um ano e meio.
Comparativamente, no ensino convencional, a maioria das crianças é capaz de
soletrar e formar palavras em um ano - o que os construtivistas, contudo, não
consideram alfabetização.
31 — Como a escola construtivista lida com a
ansiedade de pais que percebem seus filhos atrasados em relação a crianças de
outras escolas?
Aproximando os pais da escola, tenta-se demonstrar
a eles quais as diferenças desta nova concepção de trabalho, comparando-a com o
ensino tradicional. Pode não se tratar propriamente de um atraso, no sentido de
deficiência no aproveitamento, mas de um outro ritmo de aprendizado que, ao
final do ano, vai resultar numa vantagem qualitativa.
32 — O construtivismo permite que os pais ajudem os
filhos nas tarefas de casa?
Ponto polêmico. Alguns admitem que sim: se o jeito
de ensinar dos pais for diferente do da escola, a criança tem a vantagem de
dispor de outra forma de aprender. Outros, contudo, sustentam que a tarefa de
casa é para ser realizada pelo aluno. A vantagem, aí, seria ele ter chance de
experimentar uma situação rara para ele na escola, uma vez que a maioria das
atividades em classe é realizada em grupo.
33 — Como é a avaliação do aluno no construtivismo?
O aluno é permanentemente acompanhado,
pois a avaliação é entendida como um processo contínuo, diferente do sistema de
provas periódicas do ensino convencional. Segundo os construtivistas, a
avaliação tem caráter de diagnóstico - e não de punição, de certo ou errado, de
exclusão. Além disso, a própria professora também se auto-avalia e modifica
seus rumos.
34 — Em que difere a prova construtivista?
Ela tem peso menor que no ensino tradicional. Não é
o único indicador do rendimento do aluno, que também é avaliado pelo desempenho
rotineiro em classe. Além do mais, a prova não é uma peça estranha ao grupo,
elaborada fora da sala de aula, por um especialista (geralmente um
coordenador). Tal responsabilidade cabe à própria professora, que leva em conta
aquilo que já foi efetivamente trabalhado na sala de aula.
BIBLIOGRAFIA
Psicogênese da língua Escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky. Ed. Artes
Médicas, Av. Jerônimo Ornellas. 670. CEP 90040-340. Porto Alegre. RS. Tel:
(051) 330-3444
A Escrita e a Escola, de Ana Maria Kaufman. Ed. Artes Médicas.
Alfabetização em Processo, de Emilia Ferreiro. Ed. Cortez. R. Bartira. 387.
CEP 05009-000. São Paulo. SP. Tel: (011) 864-0111.
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